Por Jander Ramon-Letra Certa Estratégia e Tática em Comunicação | 27 de março de 2017•
O índice Variação do Custo Médico-Hospitalar (VCMH), produzido pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), deve ter encerrado 2016 com alta entre 18% e 20% ao ano. Esse é o principal indicador usado pelo mercado de saúde como referência para mensurar os custos dos planos médico-hospitalares individuais e familiares. Na média, segundo informações de mercado, também acompanha as variações de custos dos planos coletivos empresariais, os quais compõem o conjunto de referências usadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na definição do índice de reajuste das mensalidades dos planos individuais, o que deve ser anunciado nos próximos meses.
Desde 2013, o VCMH/IESS registra fechamento anual superior a 15% ao ano. Nos seis primeiros meses de 2016, o indicador oscilou no patamar de 18% a 19,7% e não foi registrado nenhum sinal do mercado que aponte para a queda desses porcentuais.
O cálculo utiliza os dados de uma amostra de mais de 1,5 milhão de beneficiários de planos individuais de operadoras com abrangência nacional e considera a frequência de utilização pelos beneficiários e o preço dos procedimentos. Dessa forma, se em um determinado período o beneficiário usou mais os serviços e os preços médios aumentam, o custo apresenta uma variação maior do que isoladamente com cada um desses fatores. A metodologia aplicada ao VCMH/IESS é reconhecida internacionalmente e aplicada na construção de índices de variação de custo em saúde em vários países, inclusive nos Estados Unidos, como o S&P Healthcare Economic Composite e Milliman Medical Index.
Para construir o VCMH/IESS, são considerados os valores efetivamente pagos pelas operadoras aos prestadores de serviços de saúde e, por conta dos processos de avaliação das faturas e até de negociações comerciais entre os agentes, o pagamento pode ter uma defasagem de até a 180 dias em relação à data do faturamento. Por esse motivo, o indicador tem uma defasagem média de seis meses em relação ao ano corrente.
O patamar persistente e superior a 15% nos últimos anos é extremamente preocupante e coloca em risco o sistema de saúde suplementar, segundo Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do IESS. Ele explica que fatores estruturais da cadeia produtiva de saúde suplementar são as causas centrais a impactar o índice. Segundo ele, são essas causas estruturais que devem ser prioritariamente atacadas caso se tenha o objetivo de conter de forma definitiva a alta variação do custo médico-hospitalar. Países, como a África do Sul, tiveram sucesso em combater dessa forma a alta persistente da variação de custo médico-hospitalar.
“Basicamente, a primeira causa decorre do sistema de pagamento das operadoras aos prestadores de serviços de saúde no Brasil, que se assemelha a um ‘cheque em branco’. A chamada ‘conta aberta’, ou fee-for-service(termo em inglês). Nesse formato, a conta hospitalar absorve todos os custos, inclusive desperdícios e falhas assistenciais, como reinternações, por exemplo. Todos os insumos são adicionados à conta hospitalar e, dessa forma, os prestadores buscam o máximo consumo possível com o objetivo de obter a máxima remuneração, um desincentivo total à eficiência”, explica o executivo.
A outra causa a potencializar os índices de custos, segundo Carneiro, é a falta de transparência do setor de saúde. “Não há transparência sobre os indicadores de qualidade assistencial nos serviços de saúde, como também não há na formação de preços e nas relações entre os atores da cadeia. Logo, não é possível saber se a precificação por um serviço é justa porque não há como comparar os diferentes prestadores. É o caso, por exemplo, dos hospitais. A precificação se baseia em uma percepção de qualidade, no poder de mercado em determinada localidade, mas não há certeza de que um prestador é melhor do que outro porque simplesmente não se conhecem os indicadores de desempenho e qualidade assistencial”, afirma.
Da mesma forma, o superintendente do IESS assinala que as falhas de mercado impossibilitam a comparação entre distintos fornecedores para um mesmo insumo de saúde e que a falta de legislação específica desobriga que consumidores e operadoras saibam se há relacionamentos comerciais entre prestadores de serviços e fornecedores, por exemplo. “Isso abre espaço para práticas de corrupção, como temos visto nos últimos anos em diversas denúncias, especialmente na área de materiais, como órteses e próteses, e medicamentos”, observa.
No estudo “Variação dos custos médicos hospitalares e inflação geral – Por que esses índices não são comparáveis no Brasil e no mundo?”, o IESS identificou que, em diversos países, o VCMH supera a inflação média por conta do processo de adoção de novas tecnologias na saúde, mais caras do que as anteriores; e também por conta do ciclo de envelhecimento populacional, gerando maior demanda por serviços de saúde. Esses dois fatores também ocorrem no Brasil, mas as falhas estruturais do sistema brasileiro potencializam a alta de custos.
Carneiro destaca ainda que outras nações que passaram por processo de recessão econômica registraram queda nos custos per capita com saúde, seja por fatores de aumento de competição, seja por queda da demanda da base de beneficiários dos sistemas privados de saúde. No Brasil, por outro lado, quase 2,5 milhões de pessoas deixaram os planos de saúde no período de 2014 a 2016 e, mesmo assim, os custos continuaram crescendo acima de dois dígitos.
“O Brasil precisa urgentemente promover uma reforma do sistema de saúde suplementar, o que deve envolver fortemente prestadores de serviço de saúde, distribuidores e fornecedores de materiais, equipamentos e medicamentos. Nem consumidores e nem empresas contratantes de plano de saúde têm condições de absorver reajustes de dois dígitos por longos períodos e nem as operadoras são capazes de arcar com essa escalada de custos. Ou o País avança na modernização dos modelos de pagamento por serviços de saúde e em uma agenda de transparência nessa área, ou o sistema corre o sério risco de se desmantelar em poucos anos”, alerta Carneiro.
Fonte: Saúde Business – SP: 28/03/2017