No ano de 2011 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma norma que suspendeu a venda e a distribuição de alguns medicamentos emagrecedores que agem na área do cérebro que comanda a fome. Desde então, na opinião de médicos que se reuniram no 17º Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, realizado no último mês de abril em Olinda (PE), há uma espécie de vácuo nas opções medicamentosas para tratar a obesidade.
As drogas “banidas” pela Anvisa em 2011 são a anfepramona, o mazindol e o femproporex –e chegaram a ser comercializadas por décadas. Em comum, essas drogas têm a características de serem aparentadas das anfetaminas e de terem efeito anorexígeno, ou seja, em tese são capazes de reduzir a vontade de comer –e, por conseguinte, a ingestão calórica.
Essa proibição causou muito ruído na comunidade médica e, desde aquele ano tramita na Câmara um projeto de lei (2.431/2011, do deputado Felipe Bornier, do Pros-RJ) que proíbe a Anvisa de “cancelar o registro sanitário ou de adotar qualquer outra medida que impeça a produção ou a comercialização” desses anorexígenos e da sibutramina –medicamento cuja compra hoje requer retenção de receita.
Segundo a presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade da Síndrome Metabólica (Abeso) Maria Edna Melo, esses medicamentos eram ferramentas importantes e tinham um resultado clínico “real”.
O problema, afirmou a Anvisa à época, é a ausência de estudos que mostrem eficácia –geralmente definida redução de mais que 5% do peso corporal inicial– dessas moléculas. Os resultados, afirmou a agência, não justificam os riscos relacionados aos efeitos colaterais.
Por serem estimulantes parecidos com a anfetamina, essas drogas têm ação no sistema nervoso central e existe a chance de complicações psiquiátricas em alguns pacientes.
Nesse caso, afirma o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento, uma boa avaliação inicial que busque sinais de depressão, por exemplo, seria o suficiente para evitar a maior parte das complicações.
“Em mãos habilidosas, esses remédios podem ter ótimos resultados –eles passaram pelo crivo do tempo. O problema era a maneira com a qual vinham sendo prescritos, por médicos não especialistas. Às vezes só se nota o efeito colateral na hora de um maior estresse, quando o paciente já está emagrecendo”, diz
Outro argumento a favor da suspensão é que as agências regulatórias europeia e americana também adotaram posturas duras –e algumas das drogas nem têm registro por lá.
Uma questão relevante para a decisão no começo da década foi o abuso. As drogas eram baratas e facilmente obtidas sem receita.
O baixo preço, segundo Maria Edna, também afasta o interesse das farmacêuticas em patrocinar eventuais novos estudos de segurança e eficácia, necessários para uma nova solicitação de registro. Para ela, a melhor saída é fazer lobby pela aprovação do projeto de lei que está em tramitação.
OPÇÕES
Mais da metade dos brasileiros está acima do peso ideal, segundo a pesquisa Vigitel, inquérito telefônico realizado pelo governo federal. O índice de obesidade chega a 23% entre os adultos.
Para tentar tratar essa questão clinicamente, entre as novas opções terapêuticas está a liraglutida, comercializada com os nomes de Saxenda e Victoza, esta última tem dose máxima menor é usada para o tratamento de diabetes. Ambas as marcas pertencem à farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk.
A droga, injetável, custa cerca de R$ 1.000 por mês e, segundo estudos mais recentes, ela pode ser usada cronicamente, até mesmo em combinação com outras terapias, sem grandes efeitos colaterais.
Uma outra droga, a lisdexanfetamina, vendida como Venvanse pela farmacêutica Shire e originalmente direcionada para o transtorno de déficit de atenção, pode ser a nova queridinha dos endocrinologistas.
A droga também tem um efeito emagrecedor importante e tem até sido prescrita para esta finalidade no Brasil, apesar da ausência de indicação oficial –mesmo caso pelo qual passou a liraglutida. A caixa com 28 comprimidos pode custar até R$ 400.
Para o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento, apesar de haver algumas opções no mercado, a falta de acesso vai continuar existindo por causa do preço das novas drogas.
Um efeito colateral da escassez de opções baratas de tratamento medicamentoso, dizem os médicos ouvidos pela reportagem, é o excesso de cirurgias bariátricas e a deterioração da saúde das pessoas, que sofrem mais tempo com as complicações decorrentes da obesidade –como doenças circulatórias e diabetes.
O jornalista GABRIEL ALVES viajou para Olinda (PE) a convite da farmacêutica Novo Nordisk
Coluna “Cadê a cura?” escrita por GABRIEL ALVES 29/05/2017 – Folha Online