Doenças como sarampo, epilepsia e apendicite já têm métodos de prevenção e tratamento amplamente conhecidos mas, ainda assim, levam a milhares de mortes a cada ano no mundo. Em um levantamento publicado ontem no periódico médico internacional “The Lancet”, pesquisadores fizeram pela primeira vez um diagnóstico desta mortalidade “evitável” em todo o mundo. Em um índice que vai de 0 a 100 — em que 100 representa os melhores resultados — e se baseia no tratamento de 32 causas de morte evitáveis, o Brasil teve, em 2015, pontuação 64,9. É um avanço em relação à métrica de 1990, de 50,1 pontos, mas o país fica atrás de vizinhos da América Latina como Chile, Uruguai e Argentina e apenas uma colocação à frente da Venezuela. No mundo, Andorra lidera com o melhor índice (94,6), e na lanterna, figura a República Centro-Africana (28,6).
O Brasil tem bons índices em doenças que podem ser prevenidas com vacinação, como a difteria (na qual o país tem o melhor índice, de 100) e o sarampo (99). Os pontos mais frágeis, porém, são os distúrbios neonatais (41), infecções respiratórias no trato inferior (43) e doenças biliares e da vesícula (44).
— O que constatamos com relação à qualidade e ao acesso a serviços de saúde é perturbador — afirma Christopher Murray, autor principal do estudo e diretor do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME) da Universidade de Washington. — Uma economia robusta e a abundância de tecnologia médica não garantem bons serviços de saúde. Sabemos disso porque as pessoas não estão recebendo os cuidados que seriam esperados para doenças com tratamentos estabelecidos.
PAÍS PODERIA TER 9,8 PONTOS A MAIS O estudo estima também, em relação a esta métrica principal — denominada índice de Qualidade e Acesso a Serviços de Saúde (QASS) —, o potencial de melhoria em um país com base em seus recursos e desenvolvimento próprios. De acordo com os pesquisadores, o Brasil poderia ter mais 9,8 pontos que os 64,9 em 2015 caso o país otimizasse seus recursos na área de saúde.
Apesar de reconhecer uma melhora do acesso à saúde no Brasil e no mundo entre 1990 e 2015, a diretora médica da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), Carolina Batista, destaca que há ainda desigualdades e mortes evitáveis que o país precisa combater.
— Apesar de, por um lado, haver uma parte do estudo a ser celebrada, outro mostra que, se não houver melhoras, as pessoas vão continuar morrendo. Temos que fazer um melhor uso de estruturas de atenção primária, de medicina da família — destaca Carolina.
Para a médica, as causas de morte com índices mais preocupantes no Brasil — os distúrbios neonatais e as infecções respiratórias no trato inferior — expõem a dificuldade de acesso, sobretudo entre comunidades periféricas e remotas, a estruturas, profissionais e tratamentos de saúde eficazes.
— Distúrbios neonatais são complicações que surgem no primeiro mês de vida do bebê e podem se agravar, por exemplo, quando não há acompanhamento médico neste período. Já as infecções respiratórias são um espelho de um acesso ruim à saúde: uma criança com gripe acaba não se tratando e desenvolve uma pneumonia.
Também nos países desenvolvidos, os números resumem realidades intrigantes. Noruega e Austrália, por exemplo, ficaram na faixa dos 90 pontos, mas no que diz respeito ao tratamento do câncer testicular, o país nórdico pontuou 65 e a Austrália obteve apenas 52 pontos no trato ao câncer de pele não melanoma.
— Na maioria dos casos, ambos os tipos de câncer podem ser tratados com eficiência — destaca Murray. — Não é então seriamente preocupante que pessoas estejam morrendo desses tumores em países que têm recursos para tratá-los?
DADOS COLETADOS DESDE 2000
Os pesquisadores que assinam a publicação no “Lancet” afirmam que esta é a primeira iniciativa a avaliar a qualidade e o acesso a serviços de saúde em 195 países. Para isso, os professores Martin McKee e Ellen Noltre vêm levantando dados na área desde 2000. As pontuações para o índice QASS se baseiam em estimativas do Estudo Global Anual do Peso de Doenças, Lesões e Fatores de Risco (GBD), uma iniciativa que reúne informações sobre doenças e fatores de risco com a colaboração de 2.300 pessoas em 133 países.
Nos 25 anos cobertos pela pesquisa, a média global do índice apresentou melhora: passou de 40,7 pontos em 1990 para 53,7 em 2015. Mesmo assim, países de parte da África Subsaariana, da Ásia e do Pacífico continuam apresentando os quadros mais drásticos. Agora, os autores do estudo pretendem fazer do índice uma métrica a ser atualizada anualmente.
Para Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), a pesquisa pode ser um importante guia para políticas públicas de saúde no direcionamento de esforços — algo que precisa ser feito no Brasil, por exemplo, em relação à tuberculose, que tem pontuação 65.
— Podemos erradicar a tuberculose se tivermos planejamento e a incorporação de medicamentos eficientes contra formas resistentes da doença.
Fonte: O Globo – RJ (19/05/2017)