01 de março de 2017•| Escrito por Adriana Toledo
Na semana do Dia Mundial das Doenças Raras, conheça uma das principais batalhas dos pacientes: a busca por acesso a tratamento, cuja carência compromete significativamente sua qualidade de vida
Agência Muitos Somos Raros (leia mais, abaixo)
Doença rara só é pouco frequente se contabilizada de forma isolada. Levando-se em conta todas as patologias que recebem essa classificação, o número de brasileiros acometidos soma aproximadamente 13 milhões, segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma)—prevalência que praticamente se iguala à do diabetes no país. Isso corresponde a cerca de 3% a 5% dos nascidos vivos, ou seja, 1,3 indivíduos a cada dois mil.
Ocorre que muitas dessas desordens são progressivas, degenerativas e sistêmicas, ou seja, afetam múltiplos órgãos. Por isso, quanto antes forem detectadas e tratadas, maiores as chances de barrar sua evolução e preservar a qualidade de vida do portador. Vale destacar que 75% das Doenças Raras se manifestam na infância, sobretudo entre zero e cinco anos, contribuindo para a mortalidade antes dos 18 anos de vida.
Em bom português, é motivo suficiente para investir em rastreamento e diagnóstico precoce, além de assegurar o acesso a tratamento adequado.
Recursos nacionais
No intuito de padronizar e otimizar a metodologia de atendimento aos pacientes de doenças raras nos estados e municípios, a rede pública de saúde conta, desde 2014, com um protocolo voltado especificamente a essa comunidade, a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, cujos preceitos estão especificados em um documento chamado Diretrizes Para Atenção Integral às Pessoas Com Doenças Raras no Sistema Único de Saúde (SUS). Ele prevê um fluxograma de atendimento aos pacientes, a instituição de serviços de Atenção Especializada ou de Referência, o Aconselhamento Genético e a implementação de Centros Especializados em Reabilitação.
No entanto, há um longo caminho a ser percorrido até que pacientes e familiares possa contar, de fato, com a infraestrutura e os serviços previstos. Por enquanto,são comuns os relatos de falta de atendimento especializado e a dificuldade em manter o tratamento correto, como nos episódios de Minas Gerais, relatados recentemente pela plataforma Muitos Somos Raros, e que ocorrem de forma semelhante em outras regiões do país.
Com apenas 6 anos, a menina Letícia, de Recife (PE), vive essa incerteza. Ela sofre de mucopolissacaridose tipo VI, uma doença progressiva, caracterizada pela deficiência de uma enzima, que provoca inúmeras alterações, como infecções de repetição nas vias aéreas, alterações ósseas, articulares e até cardíacas.
O pai da garota, o gerente financeiro Agadir Faria, conta que ela começou a tomar medicamento em 2014, o que reduziu a evolução da doença a olhos vistos. “Graças a Deus, ela não tem problemas respiratórios, porque iniciou cedo o tratamento. Seus exames cardiológicos, pulmonares, de baço e de fígado estão todos dentro dos parâmetros normais”.
Entretanto, com o passar do tempo, o recebimento da droga pelo governo, estabelecida judicialmente, passou a sofrer interrupções: “No início, ela recebia estoque de medicamento para 6 meses. Depois, o abastecimento passou a ser suficiente para apenas 4 meses. Atualmente, dura apenas 13 semanas. “Com a pausa no tratamento, ela perde a vitalidade. Fica mais cansada e indisposta. Sente dores nas articulações e na cabeça e a qualidade do sono piora muito”, lamenta Faria.
A presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Carolina Fischinger, ressalta que a extensão das consequências varia de acordo com as características de cada doença. Há situações em que os danos são menores. Mas há aquelas em que o paciente regride no que havia conquistado. Ou então, pior: “Existe doença rara em o portador precisa consumir amido de milho para a produção de energia e, se ficar sem, pode morrer. Trata-se de um produto que se encontra em supermercado, mas, imagina o problema para quem não tem condições financeiras de comprar?”, analisa.
Para se ter uma ideia, o tratamento da adolescente Daniela, 19 anos, de São José dos Campos (SP), custa em torno de dois milhões de reais ao ano. Ela é portadora de mucopolissacaridose tipo IV-A, doença que provoca problemas esqueléticos, baixa estatura e disfunção motora. Diagnosticada aos dois anos, ele usa cadeira de rodas, faz fisioterapia e tratamento com enzimas, por infusão intravenosa.
Desde o início de 2015, ela recebe o medicamento do governo, via associação de paciente. No entanto, em 2016, chegou a ficar 45 dias sem o remédio. Agora, o problema vem se repetindo e a carência de medicamento se arrasta desde o dia 17 de fevereiro. “Minha filha se sente muito melhor com a reposição de enzima. Inclusive, ganhou alguns centímetros de altura. Sem tratamento, ela começa a se sentir fraca. Já pensou se o Governo demorar a liberar o tratamento? Ela vai perder todas o progresso que obteve”, lamenta a mãe, Débora Custódio Pereira.
Além do prejuízo físico, a presidente do Instituto Vidas Raras, Regina Próspero, lembra que é preciso considerar o efeito psicológico da dificuldade de acesso. “Quando os pacientes têm seu tratamento interrompido, podem sofrer sequelas irreversíveis ou, até mesmo, vir a óbito. Portanto, só de considerar essa possibilidade, tanto eles como seus familiares enfrentam momentos de tensão, pânico, desestrutura emocional”, alerta.
Caminhos para o acesso
Embora existam medicamentos com eficácia comprovada para desacelerar a progressão de doenças raras e controlar seus sintomas, nem todos estão na lista de remédios oferecidos pelo SUS, a Rename (Relação de Medicamentos Essenciais). No próprio portal do SUS , você encontra a lista de todos os medicamentos de alto custo disponíveis para retirada gratuitamente.
Para obtê-los, o paciente deve procurar as unidades de saúde de sua cidade e estado, apresentar receita médica e realizar um cadastro para a emissão do Cartão Nacional de Saúde, que dará acesso a agendamento de consultas e exames e a medicamentos gratuitos.
O problema é que, muitas vezes, o paciente não encontra o medicamento que precisa, seja por estar em falta na rede pública ou por se tratar de um remédio que ainda não foi incorporado ao SUS.
Nesse caso, uma alternativa é buscar ajuda junto aos órgãos administrativos de controle. O primeiro passo é protocolar requerimento na Secretaria da Saúde (do Estado ou do Município), solicitando, com base em relatório médico, os medicamentos dos quais necessita.
Se, mesmo assim, a pessoa encontrar dificuldades no acesso aos medicamentos, poderá apresentar reclamação às ouvidorias do SUS (locais, regionais ou nacional). A ouvidoria do Ministério da Saúde, por exemplo, tem autoridade para acionar os órgãos competentes para a correção dos problemas identificados.
Além das ouvidorias do SUS, o usuário poderá contar com o auxílio de assistentes sociais do próprio estabelecimento de saúde em que recebe atendimento. Esses profissionais, muitas vezes, são a chave para a solução de problemas, principalmente nos casos de má comunicação ou desconhecimento dos mecanismos de controle. Ou então, procurar associações de pacientes, Ministério Público e, em último caso, diante da falta de uma solução, entrar com ação na Justiça, solicitando que o governo forneça o medicamento gratuitamente, mesmo que ele não esteja registrado na Anvisa.
Incorporação
A introdução, exclusão e alteração de medicamentos e insumos na Rename são realizadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), coordenadas pelo Ministério da Saúde, com a participação de representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), além de especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de entidades e associações médicas, comunidades científicas e hospitais de excelência.
A incorporação é feita a partir da análise de eficácia e custo-benefício dos medicamentos e deve ser acompanhada de regras precisas quanto à indicação e forma de uso. Isso permite orientar adequadamente a conduta dos profissionais de saúde, além de garantir a segurança dos pacientes.
Para o geneticista Salmo Raskin, do Centro de Aconselhamento e LaboratórioGenetika e membro da SociedadeBrasileira de GenéticaMédica, é necessária uma revisão do processo de aprovação de medicamentos para agilizar o registro das drogas para doenças raras, como determina o artigo 12 da lei nº 6.360, de 1976, 3º parágrafo, que determina que o registro deveria ser concedido no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data de entrega do requerimento.
*A plataforma Muitos Somos Raros (MSR) é uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM), da Tino Comunicação e do Instituto Vidas Raras, atuando como provedora de conteúdo inédito e relevante sobre doenças raras para a sociedade civil, as autoridades em saúde e a grande imprensa (por meio da Agência Muitos Somos Raros). Para reproduzir o conteúdo, chancelado pela SBGM, parcial ou integralmente, basta citar o crédito Agência Muitos Somos Raros.
Fonte: SEGS.com.br – SP: 02/03/2017