Por Olímpio Bittar e José Vaz Mendes
Poucos brasileiros se sentiriam confortáveis em viajar num avião que soubessem não possuir um bom plano de voo e cujo piloto sequer tivesse informações de quanto combustível possui e da capacidade da aeronave. Entretanto, há gestores na saúde que fazem da gestão um voo cego, que também produz consequências ruins para os cidadãos.
Parece truísmo propor que gestores tentem conhecer a realidade antes de apresentarem suas soluções prontas. Perguntar, ampliar os conhecimentos não demonstra inépcia de neófito e, ao contrário, propor ações sem base suficiente, quase sempre resulta em desastre ao erário público. Infelizmente, o calendário político é de curtíssimo prazo e as políticas adotadas acabam sendo reflexos de “slogans” adotados às pressas durante as campanhas eleitorais.
Em janeiro 5.570 municípios brasileiros receberam novos secretários de saúde, por vezes profissionais de saúde competentes em sua área de especialidade, porém com pouco conhecimento de gestão e insuficiente reflexão sobre as dificuldades e a complexidade do setor saúde.
Destes municípios, 1301 possuem menos de 5000 moradores, com dificuldades econômicas e mesmo aqueles maiores apresentam problemas em implantar e gerenciar programas e serviços de saúde, financeiros ou de recursos humanos, incluindo fixação de profissionais.
A maioria dos secretários encontra solicitações de consultas médicas, exames ou internações. Esta pressão faz com que a construção de hospitais e prontos socorros pareçam boas soluções. Ao invés de apelar apenas aos tradicionais tijolos, informações podem auxiliar o gestor na construção de políticas, programas e propostas viáveis, com conhecimento da demanda, do perfil de saúde e das possibilidades orçamentárias.
Perguntas devem orientar a busca de informações: quem e como é a população que será atendida? Quais são os riscos para a saúde e como minimizá-los? Do que se morre e adoece? Quais recursos de saúde existem na região e como operam? Quanto se dispõe de recursos financeiros e como se gasta? Quanto dos recursos financeiros está sendo direcionado para as atividades fim? Quanto se produz e quais as metas de produção desejadas? Qual o impacto das ações e programas já desenvolvidos? O que se deseja fazer de novo e quais as opções regionais existentes?
O conhecimento da região e do município, com dados geográficos, demográficos, econômicos, socioculturais e educacionais, entre outros, pode ser obtido de informações do censo e de pesquisas domiciliares realizadas regularmente, bem como de outros setores e órgãos de governo e da sociedade civil (assistência social, trabalho, educação, segurança, etc). Estas informações orientam o planejamento de longo prazo. É comum, por exemplo, preocupação tradicional com investimento em maternidades e atendimento à infância, mesmo quando já se observa decréscimo de nascimentos e grande ampliação de idosos, situação existente, atualmente, em muitos municípios brasileiros.
São comuns serviços inativos por erros de planejamento e gestão, onerando o erário sem benefícios à população
Há bons sistemas de registro de nascimentos (condições do parto e do recém-nascido) e óbitos (causas mais frequentes de mortalidade); de produção de serviços e até de morbidade das internações do SUS (tipos de doenças que internam). Áreas especializadas, como as Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica, são imprescindíveis para o conhecimento e quantificação de inúmeras doenças importantes para a saúde pública (dengue, tuberculose, entre outras), bem como condições de saneamento do meio ambiente, de estabelecimentos comerciais e de saúde, de conservação dos alimentos, exposição a riscos e doenças do trabalho, entre outras situações que podem orientar a organização de serviços de saúde e a definição de prioridades.
O conhecimento da rede de serviços, sua capacidade, competência, financiamento e utilização (ociosidade, superlotação) que atende a toda a região (não apenas os localizados no município) é fundamental para o planejamento e a Regulação da atenção à saúde que, superficialmente, significa referir o paciente para serviços de complexidade adequada às suas necessidades.
A avaliação (controle, monitoramento, fiscalização, auditoria) das ofertas de programas e serviços existentes gera informações sobre a qualidade, produtividade e custos resultantes das ações, tornando visíveis externalidades positivas ou negativas decorrentes da presença ou ausência destas mesmas ações de saúde. A falta de métricas predispõe a população a riscos e a perdas por ineficiência, má gestão e mesmo possíveis fraudes, numa área em que recursos necessitam de eficiente alocação.
O conhecimento dos mecanismos de operação e do montante (capacidade) das fontes federais, estaduais, municipais e do mercado para obtenção de subsídios, transferência fundo a fundo e outras modalidades é fundamental para o financiamento da rede de serviços. Levantar custos operacionais é base da precificação de procedimentos e da elaboração do orçamento. Deve-se manter o foco na prevenção do desperdício, com utilização de processos de padronização de insumos e processos, correções de rumo administrativo, buscando o melhor uso dos recursos para melhores resultados (economicidade).
As informações possuem falhas e não abrangem toda a realidade. Isto é fato em qualquer sistema do mundo. Mas é leviandade não se utilizar de nenhuma fonte e decidir sem qualquer base. Informação existente é sempre melhor que nenhuma!
As decisões corretas sobre investimentos sustentam-se no conhecimento da realidade. São comuns serviços inativos por erros de planejamento e gestão, onerando o erário sem benefícios evidentes para a população.
A União (Ministério da Saúde), os Estados (Secretarias de Estado da Saúde), conselhos como Conass, Cosems e Conasems têm condições de apoiar os municípios na interpretação e obtenção de informações. A interação entre os próprios municípios (consórcios como exemplo) permitirá ampliar conhecimentos e experiências que redundarão em melhores iniciativas para a saúde. É preciso ampliar os esforços para a criação de “inteligência” para a gestão no setor.
Felizmente há poucos acidentes sérios de aviação, pois os planos de voo costumam ser bem feitos. Planos de saúde bem elaborados são um pouco mais raros, mas também fundamentais para que os impostos pagos sejam devolvidos aos cidadãos.
Olímpio J. Nogueira V. Bittar e José Dínio Vaz Mendes são médicos especialistas em Saúde Pública.
(Olímpio Bittar e José Vaz Mendes)
Fonte: Valor – SP (03/05/2017)