Felipe Watanabe – São Paulo, 10/03/2017
Algumas gotas de sangue depois e sai o diagnóstico certeiro, positivo ou negativo, de doenças como mal de Alzheimer, esquizofrenia ou autismo. Chegar nesse ponto é o objetivo de diferentes grupos de pesquisa brasileiros que, até o momento, têm obtido bons resultados na empreitada.
Os pesquisadores, contudo, deixam claro que os exames ainda estão em estágio inicial de estudos que envolvem poucos voluntários. Mas os avanços –tanto aqui como lá fora– indicam que o diagnóstico rápido dessas doenças não está longe.
Hoje, não há um exame específico que identifique o alzheimer e a esquizofrenia, doenças que, respectivamente, afetam 28 milhões e mais de 21 milhões de pessoas no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
No caso do alzheimer, para descartar a possibilidade de outras doenças são usados exames do líquido cerebrospinal (ou líquor, normalmente retirado da lombar) e tomografia computadorizada ou ressonância magnética. O problema é que nem sempre o resultado é claro ou rápido, o que traz sensação de insegurança e incerteza aos pacientes.
Um exame que desse um tiro certeiro na dúvida e apontasse a presença ou ausência da doença poderia significar um baita progresso, especialmente para o início mais precoce de tratamentos.
Para tanto, os cientistas da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) miraram em biomarcadores, mais especificamente em um: ADAM10, proteína que pesquisas têm relacionado ao alzheimer.
O estudo paulista trabalhou com uma amostra de de 24 pessoas: oito saudáveis, oito com pré-alzheimer e outras oito diagnosticadas com a doença. Todos os voluntários tinham mais de 60 anos.
Os pesquisadores coletaram sangue dos participantes e depois colocaram o material sobre um sensor desenvolvido pela equipe de pesquisa. Cerca de 30 minutos depois, o aparelho conseguia detectar alterações nos níveis de ADAM10. Desse modo, foi possível separar e diferenciar cada um dos grupos.
“O teste que desenvolvemos poderá servir para diagnosticar a doença em sua fase mais inicial, quando poucos sintomas estão presentes”, afirma Márcia Cominetti, cientista da Ufscar e uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
Segundo a pesquisadora, o exame desenvolvido por ela poderia evitar que o alzheimer seja confundido com outras doenças, como frequentemente ocorre hoje.
Além disso, os exames disponíveis hoje para auxiliar na detecção da doença, de acordo com Márcia, são mais caros (como os exames de imagem) ou mais invasivos (como o de líquido cefalorraquiano) do que uma simples coleta de sangue.
A ideia, é claro, não é substituir o papel do médico na detecção da condição, mas oferecer mais uma ferramenta para o diagnóstico.
“Mas ainda não é possível fazer o exame. O que mostramos é que conseguimos fazer um diagnóstico precoce. Nosso dispositivo não prevê o alzheimer”, afirma Ronaldo Faria, professor do departamento de química da Ufscar e outro membro da equipe que desenvolveu o sensor.
“Apesar de não haver cura para o Alzheimer, o paciente poderá, em conjunto com o médico e a família, tomar algumas decisões para fazer com que a doença progrida mais lentamente com um teste desse em mãos”, afirma Márcia Cominetti.
ESQUIZOFRENIA
As mesmas gotas de sangue usadas para o diagnóstico precoce de alzheimer também podem ajudar na detecção da esquizofrenia, como indica pesquisa da Unifesp.
“Nosso estudo surgiu da necessidade que observamos na prática clínica”, afirma Elisa Brietzke, psiquiatra da Unifesp e uma das autoras do trabalho.
Os pesquisadores decidiram se debruçar sobre possíveis biomarcadores de transtornos mentais –ou seja, substâncias que indicariam a presença de doenças.
Em um estudo direcionado à esquizofrenia, foram comparados 26 pacientes com esquizofrenia e 27 pessoas sem o transtorno.
Os cientistas analisaram as diferenças metabólicas entre os dois grupos. As amostras de sangue foram comparadas com auxílio de ressonância magnética de prótons –uma forma de investigação detalhada a nível molecular.
“Buscamos quantificar todos os metabólitos [pequenas moléculas que são produtos intermediários do metabolismo do corpo] presentes no corpo da pessoa. Você obtém informação de milhares de moléculas”, afirma Elisa.
Por fim, os cientistas jogaram os dados em um software que quantifica o risco da pessoa ter esquizofrenia. “Se confirmarmos isso em um estudo com amostra maior, poderemos considerar o resultado como uma espécie de bioassinatura metabólica.”
Ljubica Tasic, outra autora do estudo, afirma ainda que o preço do teste estimado pelo grupo de pesquisa –entre R$ 50 e R$ 100– pode ser outro ponto favorável.
O próximo passo é aumentar a amostra para pelo menos 400 indivíduos, o que possibilitará ver como cigarro, peso, gênero e medicações influenciam o teste.
Fonte: Folha de São Paulo Digital 10/03/2017